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DOR DE CABEÇA E USO EXCESSIVO DE MEDICAÇÃO

PUBLICADO EM 18/10/2017

 

Deusvenir de Souza Carvalho

Médico Especializado em Neurologia Clínica, Professor Aposentado da Disciplina de Neurologia e Ex-Chefe do Setor de Investigação e Tratamento das Cefaleias (SITC) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Membro Titular da ABN, SBCe, “AHS” e “IHS”

 

CONCEITO

 

O sofredor de dor de cabeça que usa frequentemente remédio para alívio pode sobrepor à essa dor de cabeça outra que é devida a esse uso excessivo de medicação. Isto acontece porque tomar sintomáticos ou medicação para alívio da dor 10 a 15 dias por mês, durante 3 ou mais meses, facilita o aumento da frequência das crises. Essa atitude do leigo é compreensível porque o desejo imediato é o alivio mas não é percebido por ele a piora da evolução e da resposta de alivio. Médicos cuidadosos com pacientes acompanhados por dor de cabeça verificaram esse fato paradoxal de forma clara e nos últimos 30 anos as pesquisas confirmaram sua existência.

 

MEDICAÇÕES ENVOLVIDAS

 

Há uma lista enorme de remédios para alivio de dor que são consumidos por automedicação, indicação de familiares, de leigos, de balconistas de farmácia etc. O médico é a pessoa indicada para orientar ao paciente como obter alívio corretamente e se o uso excessivo de medicação está acontecendo. Como ilustração técnica de medicamentos mais comumente implicados tem-se os analgésicos comuns e antiinflamatórios na frequência de 15 dias por mês ou mais, e 10 ou mais dias por mês quando são tomados os analgésicos combinados e outros remédios de forma isolada ou em combinações denominados em grupo como triptanos, opióides, ergóticos, benzodiazepínicos e barbitúricos.

 

POPULAÇÃO ENVOLVIDA

 

Na população em geral isso está sendo encontrado em 2 a 6%, em 30% na população com dor de cabeça crônica (15 ou mais dias com dor por mês, por 3 ou mais meses) e em cerca de 50% dos portadores de enxaqueca ou migrânea.

 

POSSÍVEIS MECANISMOS IMPLICADOS

 

Os mecanismos para isso acontecer com a dor de cabeça, apesar de muito investigados, ainda não estão totalmente esclarecidos mas inúmeras pesquisas apontam alterações estruturais e funcionais no cérebro, nas áreas relacionadas ao processamento da dor e nas áreas relacionadas aos mecanismos de recompensa e de drogadição. Mecanismos implicados variam de tendência genética, propensão física, isolados ou em conjunto que sensibilizando o cérebro mais e mais dores aparecem. Vão ficando facilitadas as percepções e reconhecimento de informações dos estímulos dolorosos que chegam a esse cérebro sensibilizado. A maior sensibilidade não se restringe só a dor da cabeça mas também as outros quadros dolorosos como da fibromialgia, da coluna, dos músculos, dos dentes etc.

 

QUANDO E PORQUE PROCURAR AJUDA

 

Quem tem dor de cabeça em alta frequência e faz uso excessivo de medicação para alívio deve procurar atendimento médico para esclarecer o diagnóstico e tratar de acordo com os esquemas cujo benefício tenha sido comprovado por pesquisa de metodologia moderna, realizada em grande número de pacientes com cada diagnóstico considerado.

Muito importante que o paciente ao procurar ajuda médica informe claramente como tem sido sua dor (começo, duração, frequência, intensidade, fatores acompanhantes, precedentes, de melhora, de piora, etc.) para que seja possível correlacionar esses dados com um diagnóstico da classificação internacional das cefaleias ou dores de cabeça que é utilizada desde 1988 e enumera com critérios uma centena e meia de quadros clínicos. Além disso é importante também acompanhar ao longo do tempo com anotação em diário ou calendário da dor.

 

O QUE FAZER

 

A orientação fundamental e básica a ser seguida é a desintoxicação (“washout”). O melhor é interromper totalmente o uso de qualquer droga de alívio e substituir por outras medidas não medicamentosas como relaxamento, massagem, compressas, rotina de vida evitando estresse e desencadeantes (Figuras 1 e 2), boa hidratação, alimentação saudável, exercícios leves a moderados dois ou três dias por semana por 20-30 minutos regularmente, higiene do sono.

 

 

Figura 1. Fatores desencadeantes e agravantes: café e bebidas cafeinadas, tabaco, fatores climáticos, alimentares e diversas outras substâncias.

 

É muito importante buscar ativamente vivencias emocionais prazerosas durante todos os momentos do dia e todos os dias para que o cérebro funcione com substancias analgésicas que são liberadas naturalmente. Bloqueios anestésicos e estimuladores elétricos (CEFALY®), recursos da medicina complementar (acupuntura, quiropraxia, etc.) podem ser utilizados bem como apoio psicológico (psicoterapia), fisioterapia e técnicas de relaxamento.

 

 

Figura 2. Fatores desencadeantes e agravantes da enxaqueca.

 

Com extrema cautela, o médico pode liberar uso restrito a não mais do que um ou dois dias por semana, de alguma medicação de alívio sintomático e também para amenizar fenômenos de abstinência quando estes são sabidamente atribuídos a droga que está sendo usada em excesso.

 

ACOMPANHAMENTO IMPORTANTE

 

O tratamento preconizado é ambulatorial com consulta inicial e subsequentes para revisão tantas quantas necessárias. Observar que na primeira semana da interrupção dos remédios em uso excessivo pode ocorrer uma piora da dor e do sono mas é importante manter-se desintoxicando ou a critério médico, este poderá raramente propor internação hospitalar. Os dados de história da doença são quase sempre suficientes para o diagnóstico mas quando conduzir a suspeita de outros quadros associados e secundários o encaminhamento para outros especialistas e a investigação deve ser proposta pelo médico.

 

COMPROMISSO DE AGIR CONSCIENTEMENTE

 

Acreditar na melhora paulatina, mesmo que surjam os medos existenciais de agravo, de enlouquecer de dor, de ter complicações e tumor na cabeça etc. É muito gratificante quando os pacientes que aceitam e seguem corretamente as orientações cabíveis para cada caso e melhoram. Mas infelizmente alguns voltam ao uso excessivo e persistem como fazem os usuários de drogas.